São 19h50min. O ar-condicionado parece expirar eternamente um ar de morte. Lá fora, o mar é açoitado pelo forte vento que o joga contra as embarcações do cais. A parede envidraçada do meu escritório agüenta fortemente a violência da tempestade, enquanto inalo cada sopro cansado do meu cigarro; matando cada dia mais os meus pulmões e fortalecendo a minha fraqueza. Ali, eu estava só. Minha mente repete as palavras que digo a ninguém, enquanto toca a Fantasia em Ré Menor de Mozart. O tempo moe lentamente a minha paciência e o cheiro dela confunde-se no ar deixando-me atordoado.
São 20h00min. Fim de expediente. Jogo com o dedo indicador o que resta do meu cigarro, visto meu sobretudo, coloco meu chapéu de feltro preto e desço o lance de escada até o térreo. Chegando à porta da frente, estendo minha mão e deixo a água bater sobre ela e vejo que de uma furiosa tempestade o que restava agora era uma garoa chorosa. O motor dos caminhões engole o que sobrou do silêncio da noite e os vaga-lumes cortavam as ruas substituindo os faróis dos carros.
São 20h34min. O caminho que dura vinte minutos de ônibus parecia durar 20 dias. Com mais raiva que antes, a chuva parecia querer entrar no ônibus para fugir do frio que lá fora fazia. Todos os acentos estavam sendo ocupados. Alguns escutavam música, outros dormiam. Jazem ali, em seus bancos, mortos e decrépitos pelo tempo, homens e mulheres essências a mim. Eram a minha escolta muda.
São 21h10min. O relógio não para de anunciar. Parecia que queria me mandar logo para a sepultura. Os segundos batiam na minha cabeça e as horas que passavam caiam como pedras. Já em meu apartamento, joguei meu sobretudo e minha camisa sobre o sofá, abri uma fresta nas janelas. A sala estava apenas iluminada por uma luz parcimoniosa que vinha da porta do corredor. O cheiro dela continuava a me atormentar. Fazia três anos que havia falecido. Ela que havia me influenciado a ser psicólogo e abrir um negócio junto a meu primo. Tenho muitos pacientes, mas sempre nas consultas parece que eu é quem deito no divã e vomito meus problemas para fora. Como ela me fazia falta.
São 22h53min. Meu charuto não parava de queimar desde que havia chegado em casa. Já havia jantando, mas não sentia fome. O noticiário na TV que normalmente me alimentava. Antes de dormir, adorávamos desenhar, com nossos dedos, as nuvens no céu e contar cada estrela que olhava para nós. Somente para as estrelas não podia apontar, porque ela dizia que cresceriam rugas em meus dedos. Então apenas sinalizava-as com gestos de cabeça e nariz. Quando o primeiro bocejo quebrava nosso momento, íamos nos deitar. A cama rangia levemente, o cobertor nos cobria até os cabelos e tornávamos a dormir mais uma noite, aquecidos pelo calor de nossos corpos.
Maravilhoso, Flops!! Bela e melancólica narração!! Parabéns.
ResponderExcluirManu Legramanti
que triste!
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